OS HOMENS DA CIDADE

de Afonso Lisboa (17/7/12)


os homens da cidade pensam muito
e por vezes sonham com o campo à terça-feira
ou fazem amor angustiadamente
nos seus carros e sofás e prateleiras
têm glórias que nem lembram ao diabo
e comem sentados com a posse das freiras
por saberem que a morte nunca é coisa natural

ah os homens da cidade dormem mal
com seus casacos correrias e caçadas
juntam as mãos às mãos da noite e da calçada
ou dessa pedra mais cinzenta e mais suada
que as mãos dos homens que eles não foram lá deixaram
porque até as estrelas lhes parecem tão estrangeiras
que a conquista de cruzar ruas cruzadas
é para os homens aventura tão desmesurada
como partir e ir a pé além-fronteiras
(fronteiras que os homens da cidade nunca amaram)

os homens da cidade pensam muito
muito mais do que quem está enterrado
muito mais do que os mortos estando em festa
mas invejam os reis antigos e as promessas
que suas leis à lei da espada conquistaram

sim como eles dormem os homens da cidade a santa sesta
do meio-dia à meia-noite dos sentidos
e falecem como quem sente a madrugada
ou como quem troca os gritos por gemidos
por nas àrvores ver só os demónios da floresta
sim sim homens disfarçados de homens ou de cidades
procurando a sua singular máscara de ferro
para sozinhos arderem frente à voz da neblina
cuja cor e ardor aos homens faz lembrar
o torpor com que na cidade dobram cada esquina

os homens da cidade pensam muito
e até na hora que imaginaram tristemente
de levar a própria dor a visitar o seu enterro
conseguem esquecer o uivo que a loucura neles atinge
(para que a morte não possa assim logo acordar
pois a morte tudo pode de repente
e os homens da cidade morrem sempre muito lentamente)

cada um finge o que pode cada um pode o que finge

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