INÊS MORRE

GALATEIA II
Peça de teatro de Miguel Jesus. Numa criação do Teatro o bando, este texto foi representado pela primeira vez a 4 de Março de 2011 no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. Desenvolvido em co-produção com a Fundação Centro Cultural de Belém e em parceria com o Centro Cultural Vila Flor, o Teatro Virgínia, o Cine-Teatro de Estarreja, o Teatro Municipal de Bragança, o Teatro de Vila Real e o Teatro Municipal da Guarda, o espectáculo contou com encenação de Anatoly Praudin, coordenaçaõ artística de João Brites, composição musical de Jorge Salgueiro, espaço cénico de Rui Francisco, oralidade de Teresa Lima, figurinos e adereços de Clara Bento, desenho de luz de João Cachulo e apoio à dramaturgia de Odette Bereska. Constituíam o elenco: Miguel Borges (Pedro); Estêvão Antunes (Coelho); Ivo Alexandre (Pacheco); Sara de Castro (Teresa); Susana Blazer (Inês); Horácio Manuel (Afonso); e Helena Afonso (Corifeu).

Encomendas online (revistagalateia@gmail.com). 80 p. / 5€ / Prefácio: Anabela Mendes / Apoio: Teatro o bando / Capa: Raquel Belchior / Execução Gráfica: Pedro Raposo Marques


CORO
Diz-nos, diz-nos, ó história esquecida
Quem compra com a morte o que paga com a vida
Diz-nos, diz-nos, ó cidade demente
Qual o sangue culpado, qual o sangue inocente
Diz-nos, diz-nos, ó pátria maldita
Quanto sangue em ti chora, quanto sangue em ti grita
Diz-nos, diz-nos, ó terra tão santa
Quanta morte em ti grita, quanta morte em ti canta
Diz-nos, diz-nos, ó vil escuridão
Se trazes a morte na voz, se trazes a morte na mão
Diz-nos, diz-nos, ó sombra vizinha
Quem só depois de ser morta conseguiu ser rainha
Diz-nos, diz-nos, ó história esquecida
Quem compra com a morte o que paga com a vida

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PEDRO
Não há maior obra... Escurece. Mais um dia há-de morrer e de sangrar a sua luz. Mais um dia há-de nascer para a escuridão e nunca o sangue dos dias saciará este mundo. Cada dia cedemos o nosso corpo a um outro dia, cada noite anuncia sempre em nós uma outra noite. Dormir, esquecer, apagar? Quem habitará a noite funda? A morada das sombras? O rei, o escravo, o súbdito leal? Aquele que comete crimes? Aquele que morre carregado de inocência? O que pratica a justiça cegamente? Ou o que teme a justiça mais violenta? E a que se chama a violência da justiça se a justiça não conhece a medida dos actos nem a medida dos cortes? Todos havemos de habitar a mesma sombra. E só a sombra há-de saber qual a sua hora.

(Desiste. Silêncio.)

Entra Teresa.

(Teresa abre a arca, retira Inês nua e limpa-a.)

Dizem que o rei vive de noite e que se alimenta do sangue violento da justiça. Mas o que é o homem para o tempo da terra? Entre a noite e o dia quem os pode distinguir? Onde começa um e acaba o outro que eu sempre os vejo de seguida? E o sangue da justiça? Que valor tem? Quanto vale um rei, um prisioneiro, ou qualquer outro corpo? Todo o herói acaba sempre na poeira, todas as vozes são levadas pelo vento e pouco tempo a cinza toma a forma da mão. Vivo ou morto, um corpo é um corpo somente. Para a história o que são as dores dos homens? Serão suas conquistas mais que sombras? E o que é o sangue senão sonho?

(Silêncio.)

Já acordou?

TERESA
Ainda dorme.


(excertos, páginas 16, 54 e 55)

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