BERESHIT

de Miguel Jesus (28/2/12)




A cada instante nasce a pergunta novamente
interrogando consecutivamente sempre
se a minha vida é de facto a minha vida
ou se os caminhos que escolhi ou achei que fui escolhendo
não estiveram a defraudar constantemente
uma vontade oculta que mais ou menos definida
pelo menos eu desconhecia
A cada instante está outra vez nascendo
a pergunta nascente como nasce o dia
interrogando o pensamento consecutivamente
sobre aquela porta que vi e que não sei se era a porta certa
ou se era uma porta que era porta mas não era minha
ou se era uma porta por onde só passava o vento
ou talvez uma porta que já estava aberta
ou que pelo menos ao ser aberta não era a minha mão que a abria
Interrogo-me se não bati à minha porta
se não a abri se não entrei
nessa porta que no fundo esteve lá sempre só para mim
por ser eu quem nela vê quem é
e por ser eu quem nela vê quem entra
por seu eu e ter sido só eu que lá cheguei e hesitei
e por ter através dela vislumbrado uma luz que escureceu
e por nela ter visto o que não via
Ainda que saiba não poder falhar o meu caminho
por nele seguir nele sempre sozinho
até que chegue ao desconhecido fim deste desvelo
interrogo como posso nele estar certo se meu ele é somente
como posso nele escolher se escolher quem sou é sê-lo
e como posso interrogá-lo se ao existir em mim sou eu
Interrogo se tudo aquilo que é ser gente
gente que se lembra e que se esquece e pouco aprende
e que em cada gesto desafia a transparência
não é na verdade um exercício de estranheza
que vive só de interrogar o que é menos transparente
até que nasça a pergunta mais uma vez e sempre
interrogando se essencialmente eu sou esta existência
da qual faz também parte a incerteza
ou se a cada gesto incerto esta existência se transcende

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